terça-feira, novembro 13, 2007

Forlorn hope

Depois de ter dito, no post anterior, que o melhor álbum de 2006 era o 'Ringleader of the Tormentors' decidi ir ver o que tinha dito em janeiro sobre os melhores álbuns desse ano (aqui) para ver se não me estava a contradizer e deparei-me com isto:

É com alegria que vejo 2006 acabar. É verdade, 2006 foi um ano mau, começou muito mal e acabou mal. Lá para o meio foi médio fraco. Mas 2007 correrá melhor, com certeza. Primeiro, porque é difícil ser pior. Segundo, porque tenho a certeza que será melhor.

A minha primeira reacção foi soltar uma gargalhada. De certa forma tem piada. Depois lembrei-me, por ter haver com esperanças vãs, de um dos poucos excertos do Livro do Desassossego, que me lembrei de retirar da estante recentemente pela sua refência aqui, que tenho na memória. Se eu tivesse o génio de Pessoa em mim, escreveria qualquer coisa muito parecida com isto:

«Tenho assistido, incógnito, ao desfalecimento gradual da minha vida, ao soçobro lento de tudo quanto quis ser. Posso dizer, com aquela verdade que não precisa de flores para se saber que está morta, que não há coisa que eu tenha querido, ou em que tenha posto, um momento que fosse, o sonho só desse momento, que se me não tenha desfeito debaixo das janelas como pó parecendo pedra caído de um vaso de andar alto. Parece, até, que o Destino tem sempre procurado, primeiro, fazer-me amar ou querer aquilo que ele mesmo tinha disposto para que no dia seguinte eu visse que não tinha ou teria.

Espectador irónico de mim mesmo, nunca, porém, desanimei de assistir à vida. E, desde que sei, hoje, por antecipação de cada vaga esperança que ela há-de ser desiludida, sofro o gozo especial de gozar já a desilusão com a esperança, como um amargo com doce que torna o doce doce contra o amargo. Sou um estratégico sombrio, que, tendo perdido todas as batalhas, traça já, no papel dos seus planos, gozando-lhe o esquema, os pormenores da sua retirada fatal, na véspera de cada sua nova batalha.

Tem-me perseguido, como um ente maligno, o destino de não poder desejar sem saber que terei que não ter. Se um momento vejo na rua um vulto núbil de rapariga, e, indiferentemente que seja, tenho um momento de supor o que seria se ele fosse meu, é sempre certo que, a dez passos do meu sonho, aquela rapariga encontra o homem que vejo que é o marido ou o amante. Um romântico faria disto uma tragédia; um estranho sentiria isto como uma comédia: eu, porém, misturo as duas coisas, pois sou romântico em mim e estranho a mim, e viro a página para outra ironia.
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